segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A Marca Do Oito Deitado

O infinito… Um conceito abstracto muito real, na verdade! O que há para dizer acerca do infinito? Por incrível que pareça, há mesmo muita coisa.
A verdadeira ideologia por detrás do infinito foi concebida por Georg Cantor, matemático russo que viveu entre os séculos XIX e XX. Foi ele o autor dos fundamentos que estão por detrás das modernas Teorias dos Conjuntos, que, actualmente, se dividem em duas categorias: Cantorianas e Não Cantorianas. No entanto, ambas assentam em conclusões tiradas pelo matemático russo.
A temática do infinito tem imensas repercussões na filosofia humana. A ser verdade que, por exemplo, o nosso universo é infinitamente grande, originam-se uma série de consequências que afectam indubitavelmente os ideais do nosso comportamento, da nossa forma de pensar e até da nossa religião. Mas deixemo-nos, por agora, de filosofias e passemos à simples exposição do infinito.
DA EXPOSIÇÃO AO CONCEITO
Como definir um infinito?
egundo Cantor um conjunto infinitamente grande só o é se se puder colocar em correspondência biunívoca com algum dos seus subconjuntos. Pode parecer uma definição complicada, sobretudo se não conseguir contextualizar os seus conceitos, mas, na realidade, é uma exposição muito simples, basta saber o que quer dizer “correspondência biunívoca”.
Imaginemos, por exemplo, o conjunto dos números inteiros positivos menores que 10, ao qual chamamos conjunto A. Em matemática escrevemos:
A = { 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 }.
Podemos agora fazer um esquema que representa o conjunto A da seguinte forma:
Se agora multiplicarmos cada elemento do conjunto A por 3, por exemplo, obtemos o conjunto B constituído da seguinte forma:
A aplicação (x 3) sobre o conjunto A é uma aplicação biunívoca uma vez que a cada elemento de A corresponde um e um só elemento de B e cada elemento de B é correspondido por um e um só elemento de A. A título de exemplo, as seguintes correspondências não são biunívocas:
Depois de perceber o que significa “correspondência biunívoca” (os alunos de matemática também lhe poderão chamar função bijectiva apesar de ter uma definição mais formal) é muito fácil perceber agora um teorema muito simples que afirma que se dois conjuntos admitem uma correspondência biunívoca entre eles então eles têm o mesmo número de elementos.
Com efeito, imaginemos duas salas distintas: uma tem algumas mulheres e outras tem alguns homens. Vamos formar alguns casais… Se existe exactamente um homem para cada mulher e uma mulher para cada homem então, apesar de não sabermos quantos casais formamos, podemos garantir que os números de homens e de mulheres são indiscutivelmente iguais.
Da mesma forma podemos garantir que alguns conjuntos têm o mesmo número de elementos. Note que o recíproco é falso, isto é se existir uma correspondência não biunívoca entre dois conjuntos nada podemos afirmar em relação à quantidade de elementos que eles albergam (repare nos conjuntos G e H da última figura). Daqui ao infinito é um saltinho apenas…!
Relembre que o conjunto IN é o conjunto dos números naturais, isto é:
IN = { 1, 2, 3, 4, 5, 6, … }.
As reticências indicam que a regularidade se estende infinitamente, ou seja, não existe um último número.
Cantor representou este infinito por  0א(a letra hebraica א lê-se “aleph”) e conseguiu provar que este é o infinito mais pequeno que existe. Consideremos agora o conjunto IP, dos números naturais que são pares, isto é:
IP = { 2, 4, 6, 8, 10, 12, … }.
Como facilmente se vê, o conjunto IP é um subconjunto de IN pois todos os elementos de IP pertencem também a IN. Mas, como se pode facilmente constatar, existe uma correspondência biunívoca entre IN e IP: a aplicação (x 2):
Mas então??? Se existe uma correspondência biunívoca entre IN e IP, obrigatoriamente estes conjuntos têm o mesmo número de elementos… Como é possível se IP é um subconjunto de IN? Esta propriedade só se verifica em conjuntos com um número infinito de elementos e Cantor aproveitou as suas conclusões para definir um conjunto infinito como sendo então um conjunto que se corresponda biunivocamente com algum dos seus subconjuntos tal como acontece com IN e IP.
Estas conclusões parecem desafiar a lógica humana. Pelos menos aquela com que estamos habituados… Sempre pensámos, desde pequenos que existem muitos números…! Uma infinidade deles! E que metade desses números eram pares enquanto que a outra metade eram ímpares. Com efeito, como se viu, isso é um absurdo colossal! De facto, o conjunto IN tem  0אelementos. Pela correspondência biunívoca atrás explicitada então IP tem também  0אelementos. Pela aplicação (x 2 ‒ 1) vemos também que II (o conjunto dos números ímpares) tem também  0אelementos.
O número  0אé tão especial que  0א + 0א = 0א(pois a união de IP e II resulta em IN). Por outro lado, se retirarmos os elementos de II a IN, obtemos IP pelo que se tem também  0א0א = 0א. Se todos os números fossem assim não haviam negativas a matemática…! Bem! Não esteja tão certo disso!
À PROCURA DE INFINITOS MAIORES
Os vários tamanhos do infinito.
lém de IN existem outros conjuntos (à primeira vista, maiores…) que albergam outros números além dos naturais. O seguinte é o conjunto ZZ  (o conjunto dos números inteiros) que inclui o zero e os números inteiros negativos:
ZZ  = { …, ‒4, ‒3, ‒2, ‒1, 0, 1, 2, 3, 4, … }.
À primeira vista, como ZZ  acrescenta novos elementos a IN, somos levados a concluir que ZZ  tem mais elementos. Contudo a lógica dos infinitos pode ser falaciosa, como vimos lá atrás, portanto… De facto, o pormenor de IN ser um subconjunto de ZZ  , não nos pode levar a concluir que ZZ   tem mais elementos que IN. Na realidade a aplicação sugerida no esquema seguinte é biunívoca o que demonstra que IN e ZZ  têm o mesmo número de elementos (:(0א
IN
1
2
3
4
5
6
7
8
...


ZZ 
0
1
‒1
2
‒2
3
‒3
4
...
Tentemos encontrar um conjunto maior. Falemos de Q(, o conjunto dos números racionais. Este conjunto acrescenta os números fraccionários a ZZ. Q( define-se de uma forma geral pelo conjunto de todos os números que se podem representar por uma fracção m/n em que m e n não números inteiros (com m ≠ 0 , pois, como se sabe, não se pode dividir por zero!). Este conjunto alberga, além dos números inteiros, os números decimais finitos ou infinitos periódicos tais como:
1/2 = 0,5 ;  1/3 = 0,3333…  ou  6/13 = 0,461538 461538…
Ainda neste caso é possível criar uma correspondência biunívoca com IN, tal como se vê na tabela seguinte:
IN
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
...


Q(
0
1
‒1
2
‒2
1/2
‒1/2
3
‒3
3/2
‒3/2
1/3
‒1/3
2/3
‒2/3
4
...
Note a regularidade: começámos por incluir o zero; Com o primeiro elemento de IN, o 1, construímos uma fracção, 1/1, que é igual a 1; com os dois primeiros elementos de IN, o 1 e o 2, construímos duas fracções, 2/1 e 1/2; Já com os três primeiros elementos de IN construímos 3/1, 3/2, 1/3 e 2/3; à medida que encontrarmos novas fracções incluímos alternadamente as suas simétricas. Desta forma podemos escrever todos os elementos de   Q( correspondidos biunivocamente por um elemento de IN.
Quem estudou conjuntos de números na escola (estes conjuntos estudam-se no ensino básico) certamente que pensava que Q( era um conjunto imensamente maior que IN. De facto isso não é verdade: Qtambém tem  0אelementos.
Mas então parece que afinal não existe conjunto algum com mais de  0אelementos…! Bem! A coisa muda de figura quando prosseguimos no estudo dos conjuntos de números… Vejamos o conjunto IR, o conjunto dos números reais. Este acrescenta os números irracionais ao conjunto Q( . Os números irracionais são os números decimais infinitos que, ao contrário dos racionais infinitos, não apresentam regularidade alguma na distribuição dos seus algarismos. Estes números aparecem, por exemplo, nos radicais:
2 = 0,4142135… ;  310 = 2,1544347…  ou  7 50 = 0,0710678…
Existem dois tipos de números irracionais: os algébricos, que surgem como radicais ou somas de radicais de números racionais (os três últimos exemplos são números irracionais algébricos) ou transcendentes que não podem ser expressos em função de radicais, nos quais se incluem os exemplos:
π = 3,1415927…   ou e = 2,7182818…
Agora é que a matemática vai mostrar ao mundo o seu poder. Georg Cantor provou que não existe uma correspondência biunívoca entre IN eIR. E mais: provou ainda que IR tem 20א elementos. Os matemáticos chamam a este número cardinal c, ou a potência do contínuo. Cantor arriscou e chamou-lhe outra coisa…! Mas já lá vamos…
Encontrámos finalmente um infinito maior que 0אque é o cardinal de IR. O conjunto IR pode representar-se geometricamente por uma recta (a recta real) em que cada um dos seus pontos representa um número real. Assim c representa o número de pontos de uma recta. Mais: representa também o número de pontos existente num segmento de recta (independentemente do seu comprimento), de um quadrado ou de qualquer figura geométrica (independentemente do seu tamanho), de um plano infinito, de um cubo ou de qualquer sólido geométrico (independentemente do seu tamanho) ou ainda de todo o espaço! Isto é? Quantos pontos existem em todo o Universo? A resposta é simples: c.
A LOUCURA DE CANTOR
Afinal c é o quê?
antor chamou c de  1אpois, para ele, não existia infinito algum maior que  0אe menor que c. Contudo, apesar da sua conjectura, Cantor nunca conseguiu provar o seu postulado! Existirá algum infinito maior que  0אe menor que 20א? As opiniões divergem neste assunto. Na verdade, mais tarde, Kurt Gödel e Paul Cohen demonstraram que era impossível demonstrar ou refutar a conjectura de Cantor com a axiomática existente. Raciocínios que apenas uma reduzidíssima fracção da população mundial consegue compreender…
O matemático russo levou a sua conjectura à depressão sem nunca levar a cabo o seu objectivo. Hoje em dia, a teoria de conjuntos assenta em duas vertentes: a Cantoriana que afirma que c =  1אe a Não Cantoriana que acredita numa existência infinita de infinitos entre  0אe c. Pessoalmente, eu limito-me a acreditar em c